Violencia nas Escolas - Síntese

O mini-curso Violência nas escolas: o vínculo que excede se inscreveu como um capítulo a mais neste diálogo da psicanálise com a cultura e mais especificamente, neste caso, com a educação. É uma versão da psicanálise cidadã. Todo o encontro foi perpassado por uma questão de ordem prática: o que as escolas têm feito com este sintoma da violência ou o que ela tem feito a partir da violência. Os relatos de experiências já apontam saídas. São soluções evidentemente bastante singulares, sob medida para cada caso; entretanto, dois elementos se repetem em todos os casos:  a implicação e a invenção. Cada uma das escolas que trouxe sua experiência, testemunha que foi preciso fazer da escola uma causa, na qual investem seu tempo, seu saber e seu corpo para que alguma mudança comece a se configurar.

A conferência de abertura do Padre Júlio Lancelotti temperou o evento com sabedoria e humor. Eis um padre que assume que o amor é corpo. É com o corpo e não apenas com palavras que cada educador precisa se colocar no processo educativo, se quiser ser ouvido. Quem quer educar tem de sustentar sua escolha com o perfume e o suor do próprio corpo. Não percebe o cheiro do corpo do outro quem não está minimamente próximo; e, exatamente assim, próximo, que é preciso estar para se fazer ouvir. Para educar é necessário fazer vínculo. Padre Júlio chama a isso linguagem da pele.

Nesta direção resgata o lugar do lúdico e da cultura como recursos para ensinar. Afirma que a cultura ajuda a coibir a violência e que projetos culturais nas escolas precisam se tornar política pública: “Toda escola tem que ser um centro irradiador de cultura”.

Atencioso ao contexto atual, salienta que hoje não se tem uma só juventude, mas que há tribos, e que é preciso conhecer e falar a linguagem da tribo. Os jovens são muito criativos e é preciso dar voz a isso: “Nossas escolas tinham que ter salas de DJ”, disse ele .  

Fez uma torção no tema proposto, explorando-o por outro ângulo: violência nas escolas, ou antes, escolas de violência? A violência nunca será extinta enquanto formos humanos, diz, e exatamente por isso é necessário capacitar as pessoas para mediar conflitos. Esta mediação é necessária para que o excesso na violência não aconteça. Ele se pergunta sobre o que fazer para juntar os cacos de uma pessoa.

Jorge Forbes marca que, por caminhos diferentes, o padre e ele chegam ao mesmo ponto comum: a saída para a educação é pela via da cultura. E acrescenta que sua fala foi uma mostração. 

A leitura de Padre Júlio sobre a questão da violência hoje bem como sua proposta de solução é nomeada por Leny Mrech como uma política do laço.

Os trabalhos do sábado tiveram início com a conferência de Flávia Schilling, que conseguiu falar de maneira muito bonita deste tema tão duro.

Começa nomeando certas características da violência que interferem nas soluções que lhe são propostas. Salienta que a violência quebra discursos. Diante dela se diz: “Não tenho palavras”. Este emudecimento é uma dificuldade a mais na proposta de intervenções.

Outro efeito da violência é fazer desviar o olhar. Entretanto Flávia propõe, resgatando José Saramargo, que é preciso “olhar e reparar”. Reparar, tanto no sentido de olhar atentamente, como no de fazer algo, algum reparo.

A questão que lhe é cara no tratamento da questão da violência nas escolas é: “De que violência se fala quando se fala em violência?”  Há a violência criminal, familiar, econômica. Uma pessoa comentando-lhe sobre o desemprego disse “Ficar sem emprego foi como um soco no estômago.”  E o que se constata é que esta violência que vem de fora se condensa nas escolas.

Define a violência: - é uma forma de resolver conflito, aniquilando o outro em seu corpo ou com um “cala-boca”.

Segue o trabalho marcando a necessidade de sairmos de um discurso que trata a violência nas escolas como uma generalidade. É preciso em cada situação particular construir diagnósticos precisos, para daí orientar as ações.

Desdobra então o tema da violência em três: violência contra a escola, violência da escola e violência na escola. Esta última é o palco que reúne as duas anteriores. Em cada vertente é preciso identificar o agressor para direcionar a intervenção.

Na violência contra a escola, um olhar menos atento denunciaria o aluno ou ex-aluno como o agressor. Entretanto Flávia também situa outros mais sutis e menos visíveis, como desvio de verbas e péssimos salários. Neste caso, os agressores seriam os próprios governantes e a intervenção deveriam ser nas questões estruturais ou de gestão.

A violência da escola está exatamente na reprodução da desigualdade e discriminação a que ela mesma se presta: “A escola do jeito que está mantém a pobreza pobre”. Há um circuito vítima-agressor, em que a vítima de ontem é hoje o agressor, como os meninos do colégio de Michigan nos EUA que mataram porque foram agredidos. Neste aspecto, uma intervenção seria com o grupo de adultos: cuidar dos cuidadores, quebrando o circuito e deslocando-os do lugar da vítima. Isso permite sair da queixa e entrar na demanda.

Flávia insiste radicalmente que a escola não pode ceder diante da função que lhe é mais própria: ensinar. Defende ainda, que a escola não está só e que não pode pretender dar conta de tudo e valoriza a multiplicidade de interlocuções com os outros segmentos sociais envolvidos.

Leny destaca, a partir do trabalho que está sendo estabelecido por Jorge Forbes, que a intervenção mais importante neste momento seria desautorizar o sofrimento na escola, que seria não permitir que o professor encontre justificativas para não fazer seu papel e reproduzir  a pobreza cultural.

O terceiro momento do encontro foi marcado pelos relatos das experiências que estão sendo realizadas em algumas escolas públicas de São Paulo.

A EMEI  Gabriel Prestes, representada por sua diretora Arlete Persoli, vive a experiência da escuta dos alunos como prevenção à violência nas escolas. Ela constata que na Educação Infantil, de uma forma geral, existem duas formas gritantes de  violência: a negação do aluno como um sujeito e a imposição de uma padronização que o normatiza. Partindo da leitura de que o rigor disciplinário gera violência, Arlete inicia sua intervenção promovendo assembléias de crianças para que elas tenham oportunidade de fazer pequenas escolhas.  Arlete percebe que na mesma medida em que, no início da sua gestão, a criança não tinha voz na escola, também os adultos que ali se encontravam acreditavam saber tudo sobre o que se passava com elas. Todos sabiam falar da criança: “Eu já sei o que está acontecendo”. Com o trabalho que foi feito, gradativamente, estas concepções foram mudando. O efeito destas intervenções foi dar voz a criança para desconstruir as interpretações que costumam existir sobre ela e também sobre os próprios professores. Esta escola está aprendendo a ouvir e descobrindo que não é possível voltar àquela família estruturada de antes, ao contrário, está se responsabilizando pelo papel que tem a cumprir e implicando a criança no processo educativo do qual ela é o centro.

Braz Nogueira, diretor da EMF Campos Sales, está trabalhando com o projeto de construção de vida, na comunidade da favela do Heliópolis, através do combate à violência nas escolas. Braz inicia o trabalho fazendo uma crítica à sua postura logo no início do projeto, que era de tornar a sua escola um modelo para todo o Brasil. Ele diz que não dá mais para pensar em modelos porque cada escola é única, cada escola é singular. Uma passagem de uma posição idealizada para uma outra de maior responsabilidade e implicação. Esta escola parte da importância de se incluir a todos: os pais, os funcionários, os alunos e principalmente a própria comunidade que é a da favela do Heliópolis.  Todos tomam a escola como um lugar para se envolver e participar. Resultado: o trabalho realizado dentro da escola se amplia para fora atingindo também as famílias, a comunidade. Enfim, fica evidente que a intervenção nestas escolas da comunidade de Heliópolis acabou gerando como efeito, uma apropriação. Os alunos pertencem a escola e a escola pertence a eles. O próprio Braz diz “a minha Heliópolis”; um aluno, retratado pelo vídeo que foi exibido, diz: “A nossa casa pra nós é a escola”. Finalmente Braz salienta que o medo é muito mais perigoso que a coragem e é o que esta experiência mostra. Foi não cedendo ao medo diante das ameaças de morte que estes diretores conseguiram restabelecer o laço entre a escola e a comunidade, fazendo de um a continuidade do outro.  Os alunos e a família vão à escola inclusive nos finais de semana para as atividades esportivas e culturais que contam com a participação de todos da comunidade. A partir disto Leny assinala que são estas as escolas que movimentam a perspectiva da educação.

A EMF Amorim Lima, dirigida por Ana Elisa Siqueira, está experimentando a participação dos pais nos conselhos para  a construção do projeto da escola. O efeito é que os professores estão confrontados com a necessidade de buscar uma coerência entre o que falam e fazem.  O Amorim Lima está encabeçando uma rede de autonomia para que um número cada vez maior de escolas possa escolher um projeto próprio e trabalhar em sua realização, formando uma corrente.

O encerramento do Mini-curso aconteceu com a entrada das psicanalistas nesse debate: Maria Augusta Rondas, da Universidade Federal do Mato Grosso e Elizabeth Almeida, do Instituto da Psicanálise Lacaniana e Projeto Análise.

Maria Augusta propõe ouvir o que a educação pode dizer à psicanálise a partir de uma vertente aplicada à Educação. Ela observa que é preciso partir do possível. De olhar no outro o que é possível para ele. Cada experiência evidencia que não há formulas e, ainda, que é possível dar voz ao aluno, mesmo sem dar-lhe sempre razão. Com isso estamos proporcionando uma mudança de posição diante do que vivem.

Elizabeth ressalta que cada relato de experiência testemunhou a inscrição da singularidade dos próprios diretores no campo da educação.  Lembra que a violência é constitutiva do processo de educar e que por mais bem sucedida que seja, a educação sempre deixa marcas, e em alguns casos, pode haver respostas violentas variando da apatia à agressão. Também ressalta a importância de abrir espaço à fala, porque falar é fazer história. Provoca a todos perguntando que tipo de sujeito queremos e qual a nossa responsabilidade nisso. Daí a necessidade de fazer escolhas e pensar nas finalidades das intervenções. Finaliza insistindo que, frente a cada impossibilidade, a saída é a invenção.

Ariel Bogochvol, em seu discurso de encerramento, aponta a nova função da escola neste novo contexto, em que a função paterna já não tem a mesma força que antes: a escola pode oferecer novos ordenadores para a vida dos que dela fazem parte. A escola pode e deve inventar formas de ligar o saber e a satisfação, a palavra e o corpo. Nosso tempo pede que: mais do que oferecer conhecimento, a escola alargue seu repertório de atividades, para que, pelo menos alguma possa ser suficientemente interessante, a ponto de ligar seus alunos à vida, de uma maneira menos destrutiva.

Leny conclui essa jornada dizendo que “a educação tem saída, mas que para isso, como assinala sempre Jorge Forbes, é preciso inventar e se responsabilizar”.

Helainy Andrade