EBP - da política da conveniência à uma política da convicção.

O Conselho da Escola Brasileira de Psicanálise deu um passo à frente: pediu desculpas, nesta quarta-feira, 4.6.2008, pelo ocorrido no Congresso da Bahia, em 2007. A pergunta que se deve fazer não é por que ainda era importante esse pedido de desculpas, mas por que se demorou tanto tempo, mais de um ano, para o reconhecimento do óbvio: a grosseria, a visão provinciana e a estreiteza de alguns dirigentes sobre a perspectiva do futuro para a psicanálise?

O que ocorreu na Bahia é fácil de explicar, difícil é entender. A professora doutora Mayana Zatz, cientista de renome mundial, Diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, Pró-Reitora de Pesquisas dessa Universidade, foi barrada na entrada desse Congresso, ao qual comparecia como convidada dos diretores da Seção São Paulo da EBP – tanto do que saía, Ariel Bogochvol, quanto da que entrava, Sandra Grostein.

O senhor Ram Mandil, então presidente do Conselho da EBP, proibiu a entrada da cientista na sala do congresso, nos vinte minutos de apresentação de seu trabalho – era só ao que ela se dispunha – trabalho esse feito em conjunto com um membro da Escola, Jorge Forbes. O motivo da proibição? -“É contra o regimento a presença de um não membro em um congresso da Escola”. Mandil alegou que decidia em nome de todo o Conselho e depois de consultar os senhores Leonardo Gorostiza, pessoalmente, e Eric Laurent, por telefone; respectivamente, o coordenador da AMP-América e o delegado-geral da AMP. Acrescentou que, se a cientista entrasse na sala, por insistência dos diretores da seção São Paulo, ele não poderia assegurar que alguns dos membros do Conselho não se retirariam da sala, como demonstração de contrariedade. Note-se que Gorostiza estando lá presente, em nenhum momento entrevistou-se com Bogochvol ou Grostein, para se orientar em sua coordenação, ouvindo os dois lados envolvidos – o que era de se esperar -, limitando-se a falar somente com o presidente do Conselho e com alguns conselheiros. Ou seja, não coordenou, se equivocou funcional e politicamente.

Esse fato fica ainda mais chocante se comparado ao ocorrido dez anos atrás em Barcelona, quando Jacques-Alain Miller e Jorge Forbes, convidados ao Congresso Internacional da IPA, por Márcio Giovannetti, então presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - IPA, foram quase impedidos de entrar, igualmente pelo conselho daquela instituição. Foi o presidente mundial à época, Horacio Etchegoyen que, percebendo a ignorância e a truculência que representaria tal impedimento, reiterou pessoalmente e sem hesitação o convite de Giovannetti, fazendo Miller e Forbes serem bem recebidos.

O evento de Salvador, como relatou Ariel Bogochvol em suas cartas prévias à sua demissão do Conselho da EBP, pela forma pouco respeitosa de como essa questão foi encaminhada pelo senhor Iordan Gurgel, atual presidente, depreciando o pedido antes mesmo de ouvir os pares, o que possibilitou um clima semelhante em algumas respostas - em especial uma que alegava reconhecer as boas intenções, mas que estas povoavam os infernos – (citação equivocada, demonstrando o desconhecimento de quem a utilizou) - embora fundamental, veio na seqüência de outros de igual importância que o antecederam. Aliás, esses fatos anteriores sempre mal resolvidos geraram uma “cultura” onde o absurdo passou a ser natural. Foi o caso da carta eletrônica insultuosa de Bernardino Horne que, aos palavrões, atacava e depreciava membros paulistas da EBP de quem o dito Horne, então conselheiro, discordava. Essa carta era dirigida a um sub-grupo de membros do Conselho-EBP, que incluía sua presidente. Quando a missiva chegou aos seus “verdadeiros destinatários”, como diria Lacan, o máximo que foi feito foi deplorar o seu extravio e publicação, no melhor feitio dos que reclamam, na política nacional, serem descobertos indevidamente. Tempos depois o senhor Horne foi instado pela justiça civil a se desculpar para evitar piores conseqüências de sua agressão. Nessa mesma época da obrigação de se retratar, o senhor Horne foi convidado por Eric Laurent, para substituí-lo em um seminário do Campo freudiano, em Belo Horizonte. De nada adiantou a reclamação dos que se viram duplamente ofendidos, pelo insulto e pelo convite.

Bogochvol ainda lembrou a recente crise na montagem do conselho da seção São Paulo, em uma assembléia de validade duvidosa, e da necessária “demissão” da pessoa eleita presidente, nessas condições, poucos dias depois, sempre com a benevolência dos dirigentes nacionais.

Pois bem, as desculpas do atual conselho embora ainda parcas, frente a essa marcha de acontecimentos, podem ser vistas como um momento paradigmático. O Rei está nu. Acabou o tempo da política do consenso nas escolas de psicanálise. Consenso que tem derrapado para o mutualismo burocrático. Não se deve confundir uma Escola de Psicanálise com os seus dirigentes, sempre provisórios e eventuais. Nos tempos da globalização, os melhores debates e o progresso científico não podem ser tolhidos por artimanhas de pequenos poderosos de ocasião. Engana-se quem pensar que a saída de Ariel Bogochvol do conselho da EBP possa anteceder uma desistência da Escola. Claro que não. Seria não perceber esse novo tempo. Nessa linha, muito mais cômico do que trágico, é o recente exemplo do senhor Rômulo F. da Silva, mediador da rede Veredas da EBP, e futuro diretor da EBP (!) que, no pior estilo do “fi-lo porque qui-lo” , de tão penosa memória, declara ter se recusado a publicar em Veredas a carta de demissão de Bogochvol e algumas outras, porque assim o quis. Este senhor Da Silva talvez deva ser lembrado que a internet abriu amplas estradas, difíceis a serem escondidas em tortuosas veredas.

Uma nova política se prepara para as escolas de psicanálise, depois da era do consenso. Além do exemplo brasileiro, aqui descrito, temos o exemplo da Escola da Causa Freudiana, na França e a recente mudança de estatutos na AMP. Na França, a última eleição para presidente confrontou dois fortes candidatos com programas diferentes: François Leguil e Hugo Freda. Essa Escola convocou, na semana passada, quatro reuniões para pensar uma escola para o século XXI. Na AMP, a mudança estatutária ocorrida em Buenos Aires, anuncia o fim da época do candidato único. No lugar do consenso único, deverá surgir uma política de articulação das diferenças, muito mais adequada para nossos tempos.

A política do consenso tem derrapado, com freqüência, para a política da conveniência pessoal, ou de pequenos grupos. Apoiamos, no lugar da conveniência, a política da convicção. É ela que nos anima a aplaudir a mudança de posição do conselho da EBP. Um avanço se vislumbra e saberemos colaborar.

Teresa Genesini
São Paulo, 8 de junho de 2008