Domingueira no IPLA: Iconomia - A Economina da Cibercultura - Abertra

Retomamos as domingueiras do IPLA no mesmo espírito que a anima desde o princípio.

Um encontro ao cair da tarde de domingo, happy hour, sarau, conversa, conversação com um convidado. Diferente dos encontros habituais, acadêmicos, formais., sua cenografia ideal é o círculo (mais do que um auditório) como no banquete platônico. Fazem parte da cena a bebida e a comida.

Promovido por uma instituição de psicanálise, traz temas e personagens alheios, a princípio, à psicanálise. É um encontro imprevisto, insólito. A série das Domingueiras é descontínua, não há um denominador comum a não ser a atualidade do tema e a singularidade do convidado. Não obedece a uma ordem pré-estabelecida.

Neste tempo de existência, discutimos o caso Suzane, o genoma, a experiência petista do poder, a obesidade mórbida, a violência brasileira, a exclusão e inclusão social, o arg, a psiquiatria biológica, entre outros. Tivemos a presença de R. Tardelli, Mayana Zatz, Telma de Souza, Sizenando da Silveira, Daniele Riva, Rafael Kemski, Andre Zanetic ...entre outros.

O pressuposto desta série díspare é que a psicanálise é um discurso que se articula com todos os discursos e saberes. Que se articula intimamente com o grande Outro - i.é. com a linguagem, a cultura, a arte, a ciência. Que seu campo e sua clínica dependem do Outro mesmo que, em linguagem lacaniana, Ele não exista. E que o analista pode interferir na relação do sujeito com o grande Outro, seja no consultório, seja fora dele.

A domingueira é uma atividade de formação em psicanálise na medida em que um analista se forma não apenas em sua análise ou com analistas, mas em contato com os discursos, com o grande Outro, no diálogo com o êxtimo. Sua douta ignorância se expressa em um desejo de saber. Freud propunha que, em um curso de formação analítica, deveriam ser obrigatórias matérias como literatura, artes, mitologia, ciências.

No diálogo com o êxtimo, a psicanálise e o psicanalista não sustentam uma visão ou uma concepção do mundo, uma ideologia, mas uma posição ética referida ao desejo do analista e ao discurso da psicanálise. Não se trata de um diletantismo com o saber do Outro, mas de uma relação estrutural, necessária. Não há S1 sem S2. O êxtimo é íntimo.

Nosso convidado de hoje é o Prof. Gilson Schwartz. Graduado em Economia e em Ciências Sociais, doutor em Ciência Econômica, Professor Visitante do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (1997-1999) e no Instituto de Estudos Avançados da USP (1999-2005), professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP, responsável pela disciplina de pós-graduação "Economia da Informação e Novas Mídias" e pela disciplina "Introdução à Iconomia". É o criador da Iconomia.

Além da atividade acadêmica, colaborou, entre 1983 e 2006, como articulista, editorialista e analista econômico do jornal "Folha de S.Paulo", em 2007 participou da criação da revista "Época Negócios", onde lançou a coluna "Iconomia" e colabora com o portal Terra assinando o blog Iconomia. É o coordenador da Cidade do Conhecimento da USP, curador do Centro Cultural Bradesco no Second Life e parceiro do IPLA em vários eventos.

Além de tudo, é meu amigo de infância, parceiro de viagem juvenil e parceiro em algumas empreitadas estudantis como um jornal universitário judaico de esquerda que acabou censurado e um núcleo jovem na casa do povo, instituição judaica ligada ao PC, revolucionária mas que não se sustentou. Foram empreitadas memoráveis apesar de seu ‘fracasso’. Reencontramo-nos agora anos depois, quando ele propôs uma parceria inédita entre o IPLA e o CCB no Second life. 

O tema de hoje é Iconomia: A Economia da Cibercultura. De minha conversa preparatória com Gilson extraio alguns pontos:

Iconomia não é um lapso de escrita. É o nome de uma disciplina que se propõe a estudar a economia da cibercultura e, de forma mais ampla, a economia dos ícones. Como qualquer disciplina, procura delimitar seu objeto, sua especificidade e esclarecer as leis do seu funcionamento.

Parte da constatação de que "Além da condição econômica e da posição no sistema, os indivíduos participam da vida social em função do volume e da qualidade das informações a que têm acesso e de sua possibilidade de aproveitá-las para interferir no processo como atores de conhecimento."

"Vivemos uma economia em que o valor da informação está associado ao processo produtivo de imagens, ícones e idéias compartilhadas em redes digitais. Pode-se dizer que é uma economia digital ou que evolui na medida em que a própria cibercultura se traduz em ecossistemas - já nem cabe falar apenas de mercado - em que o proprietário e o não-proprietário negociam permanentemente suas fronteiras."

A Iconomia estuda a ‘nova economia’ própria da cibercultura. Seu objeto é o ícone - referência à semiótica e à informática - que associa imagem, representação, marca e valor econômico. Produtos do capitalismo avançado, proliferam e se difundem na sociedade do espetáculo, hiperconsumista, por uma rede de mídias. 
Há uma economia organizada para produzir, circular, consumir, lucrar com os ícones. São objetos de consumo, do desejo, capazes de promover um plus econômico e de satisfação. Condensam propriedades imaginárias simbólicas e reais.

Cabe a Iconomia estudar não somente o ícone em si, mas também sua produção, circulação, destinos, efeitos econômicos, intersubjetivos e subjetivos. 

A cibercultura é uma das formas do Outro contemporâneo. Ela não tem um centro de poder, não se baseia em um modelo vertical, é plural, transversal. É um Outro inconsistente que possibilita uma interconectividade generalizada, reticular, assimétrica e novas formas do laço social. Ele produz e veicula múltiplos e sucessivos objetos de desejo e programas para obtê-los.

Se o significante é o que representa um sujeito para o outro significante, o ícone é o que representa o objeto de desejo/gozo para um sujeito. Tem esta propriedade de capturá-lo, de siderá-lo por um tempo. Até o próximo. Ele paga para usufruir da satisfação que o ícone promete. É sua vertente econômica, libidinal.

A rede parece organizada em torno deste objeto, mas, no fundo, se organiza em torno de um buraco. Atrás do objeto há um buraco - a falta de objeto, a falta do objeto que produziria a satisfação - que movimenta incessantemente a rede. É a 'causa' da rede e para onde ela se dirige. O ícone aproxima-se do objeto a lacaniano, objeto do desejo, causa do desejo e mais de gozar.

É um prazer e uma honra contar com Gilson Schwartz e Jorge Forbes – um dos precursores da investigação da pós-modernidade e das novas formas do laço social engendrados por ela - nesta Domingueira.

São Paulo, 31 de agosto de 2008

Ariel Bogochvol