Colóquio: Os Nomes do Pai – Religião, Cultura, Literatura e Clínica - EBP/SP

1. Conferência de Abertura: Jorge Forbes

“O extermínio dos intrusos”

Jorge Forbes fez a conferência de abertura do seminário, com o tema: “O extermínio dos intrusos”. Dividiu sua apresentação em três partes: o fundamento, a questão e um exemplo clínico.

I) O fundamento

Cita, para começar, um trabalho desenvolvido há 18 anos: Os caminhos lógicos da psicanálise – O Nome Próprio, onde mostra a diferença do fazer do médico e o fazer do psicanalista, em relação ao mal-estar do paciente. Como o médico nomeia quando o paciente se queixa? Ele transforma o que o paciente diz num vocabulário e o acomoda, e de certa forma o conforta, o nomeia.

A medicina dá um nome confortável à dor do paciente, um nome que “acomoda”. O médico nomeia, diz quem é o paciente. Nesse trabalho Jorge Forbes antepõe o nome confortável que a medicina dá à nossa dor, ao nome desconfortável que a psicanálise dá.

Uma pessoa vai para uma análise da mesma forma que vai ao médico, quer saber quem ela é, qual a sua justa ação. E quanto mais análise uma pessoa faz, menos ela sabe de si; quanto mais fala do seu nome, mais se sente estranha a ele. Quando uma pessoa sai da análise, ela sabe o seu nome, mas não sabe o que ela tem a ver com esse nome, porque numa análise esse nome é sem-referência, é uma nomeação. Não basta falar nesse nome, é necessária uma ação sobre ele, uma nomeação, o que leva Lacan a dizer da necessidade de fazermos uma clínica da nomeação.

A nomeação obedece aos preceitos da lógica e temos que diferenciar uma lógica referencial de uma lógica sem referências. A lógica referencial é a lógica dos predicativos, que adquire a significação do contexto, de tal forma que, se muda o contexto, muda também o nome; é a lógica das psicoterapias. A lógica sem referências não depende do contexto, não muda com cada um, em cada sessão; essa lógica é chamada de designador rígido ou Nome Próprio – nome que designa a mesma coisa em qualquer mundo. O Nome Próprio não se altera conforme o mundo, ele faz silêncio nas frases que busca uma significação. O Nome Próprio é o nome do silêncio. É também o nome do estranho, ou do sinistro. Fazer uma análise é a possibilidade de nomear e legitimar as exceções, é a possibilidade de suportar a existência de um intruso no mundo, a existência de um estranho.

II) A questão

“O extermínio dos intrusos” não é um tema de uma certa política, de uma certa disputa, de um certo problema que se passa na EBP. Nem idade, nem análise, nem pactos defendem pessoas de falarem, escreverem e fazerem besteiras. Isso está sendo tratado na Escola e na sessão SP através de uma moção, alerta Jorge Forbes.

Volta a Freud, para desenvolver este segundo ponto, no texto “Responsabilidade moral pelo conteúdo dos sonhos”, extraído de “Algumas notas adicionais sobre a interpretação dos sonhos”. Nesse texto Freud deixa claro que não basta tentar, temos que nos responsabilizar pelos nossos sonhos.

Jorge Forbes esclarece que a Responsabilidade é um termo que lhe é caro há muito tempo. A meu ver, diz ele, a Responsabilidade é o mais importante tema da psicanálise e parece fundamental que o Nome Próprio seja um designador rígido, não tenha nenhuma garantia que ele esteja vinculado a uma pessoa, a não ser um ato de responsabilidade, uma justificativa referencial. Quando alguém diz: _ Fiz isso por causa daquilo, é uma forma de estabelecer uma referência e se ausentar de uma responsabilidade. O Nome Próprio descompleta qualquer série, é uma exceção, tem a ver com a falta de lógica no real.

Esse Nome Próprio que descompleta essa séria tem a ver com o teorema de Göedel, o teorema da incompletude, que Jorge Forbes também trata em seu texto que citou no início de sua fala. Por maior vontade de provar uma verdade, existe sempre uma sentença que poderá ser verdadeira, independente da prova. Isso mostra a diferença entre verdade e certeza. A psicanálise não tem a ver com a verdade, tem a ver com a certeza, que está além da verdade. E essa certeza além da verdade está fora, distante de todo nome acomodativo da medicina e da própria psicanálise. O teorema de Göedel ajuda a refletir sobre um novo tipo de responsabilidade.

Retornando ao texto de Freud “A responsabilidade moral pelo conteúdo dos sonhos”, vemos que ele nos diz que temos que nos considerar responsáveis pelos impulsos maus dos próprios sonhos; ele faz parte do nosso próprio ser.

Análise não é vacina para ninguém. Lacan trabalhou bastante esse aspecto. Ao retornar de Marimbad, Lacan dá a mão a um nazista, a um ser repugnante, que só poderia ser alguém que tivesse feito análise, diz ele. Põe em questão essa esperança de salvação, como se a análise pudesse funcionar independente de uma responsabilidade. O mau, no texto de Freud, não é necessariamente ruim, diz respeito àquilo que não entra na nominação referencial; o que não entra no narcisismo do grupo é visto como mau.

III) Um exemplo clínico

O exemplo clínico trata de uma apresentação de pacientes feita por Jorge Forbes num hospital psiquiátrico. Lê um texto explicativo sobre apresentação de pacientes e lê também uma carta aberta do CFP afirmando uma posição contrária à apresentação de pacientes. Forbes argumenta que esse encontro único do paciente com o analista é uma situação especial em que o paciente é tratado como sujeito, fazendo uso de uma frase de Lacan: “Je le panse, cést à dire, je le fais panse, donc je l’essuir”.

Há muita gente que se vale da análise, de uma análise psicoterápica como uma nomeação, um curativo. É isso que a isso se resume. É o sexual que mente lá dentro de muito se contar. Ou seja, a sexualidade não admite curativo.

Mesa da manhã: Ariel Bogochvol, Sandra Grostein, Carmem Cervelatti e M. Bernadete Pitteri.

2) Ariel Bogochvol:

Falou dos Nomes do Pai, como um dos conceitos fundamentais da psicanálise, a partir de Freud e depois com Lacan, que desde o início de sua obra associava o nome do pai ao nome de Deus. O pai é uma referência necessária e precária em Freud, com várias figurações: transgressão, sublimação, interdição e recalcamento. Em Lacan: imago, significante, ordem simbólica, ordenador da clínica e capaz de conferir um nome, nomear. O nome do pai é uma teoria sobre o pai, mas também uma reflexão sobre o Nome Próprio, sobre a nomeação e vai se distanciando do “pai”de Freud.

Analisou os nomes do pai na antiguidade, como são nomeados, em hebraico, fazendo referências à bíblia. No contexto religioso o nome de Deus é o absoluto, a totalidade. Lacan afirma que o único que poderia responder sobre o pai simbólico é a frase: “Eu sou aquele que sou”.

3) Sandra Grostein

O pai em psicanálise, ao mesmo tempo em que possibilita o desejo porque impõe a lei, aponta para o gozo.

Nós, seres humanos, nascemos com a culpa do pecado original e a partir disso nasce uma teologia moral que coloca o sujeito sob a luz completa do universal e essa teologia perpetua o sacrifício para redimir a culpa. Do pecado original não se pode salvar; a falta será recebida pelos miseráveis de Deus. Para a psicanálise o pecado original é a entrada na cultura.

O declínio do pai é associado à modernidade. A partir do momento em que a ciência se instala como em um discurso do resto, o pai passa para um ouro patamar de importância em termos de realidade cultural.

Deparamos-nos hoje na clínica com uma ausência do pai, nós buscamos alternativas ao pai. Qual seria a função do pai? Há várias funções do pai. As Américas, por exemplo, respondem pelo mundo novo, uma outra era do sujeito com o mundo. O sentido faz sempre sentido. Quanto mais sentido se dá, mais consistência o sintoma tem.

4) M. Bernadete Pitteri

Falou da diferença entre ateísmo e religião. Não temos um nome do pai, mas sim nomes do pai. JAM diz que estamos hoje num tempo de retorno a um grande Outro ou vários grandes Outros. 

Vivemos numa busca meio louca, desenfreada. O cientificismo em vez de resolver os problemas joga torrentes de sentido, o que provoca mais angústia e uma busca da paz. Seria uma escolha entre religião e ateísmo? Incluindo no ateísmo a psicanálise ou incluindo a psicanálise na religião? 

Quando se trata de diminuir a angústia, o ideal do eu toma forma de onipotência? Para Lacan, a idéia de Deus, da religião, é um princípio regulador. O ateísmo não é a negação de Deus. Para Lacan, ateu é aquele que ao chegarem ao final de uma série psicanalítica, que conseguiu se livrar da onipotência – isso é o verdadeiro ateu, diz Lacan.

5) Carmem Cervelatti

Carmem aponta o que cada um marcou em sua fala.

A seguir falou do seminário Peças Soltas de JAM, em que ele retoma o desafio de Lacan: _ “Não repita só uma vez, prove para mim que você acredita em Deus. Desafio quem quer que seja de poder se dizer ateu com conhecimento de causa”.

Deixou essas palavras como uma provocação à mesa e também uma questão: _ Qual seria o triunfo da religião frente a esse ideal que nos defrontamos na realidade, tendo que arrumar “curativo”para os males?

Teresa Genesini