Questões de amor

Maralice Neves

questoes amor aconteceIndicado para o Oscar 2013 como Melhor Filme Estrangeiro, Amour disputa também, na categoria Melhor Atriz, o prêmio para Emmanuelle Riva, a mais idosa atriz a concorrer a um Oscar. Afinal, de que amor trata esse filme?

Entro na sala de cinema de braços dados com minha mãe, uma viúva de 86 anos, que, apoiada em mim e em sua bengala, mal consegue subir as escadas para se sentar. Seus joelhos inchados e entortados pela artrose e as intensas dores reumáticas praticamente a impedem de andar. Ela insiste e sobe. Sabíamos somente que o filme (Amour) era uma história sobre um casal de velhinhos, Georges (Jean-Louis Trintingnant) e Anne (Emmanuelle Riva), professores de música erudita aposentados. A única filha mora fora do país com seu marido e o amor que une este casal é posto à prova quando Anne sofre um “acidente”.  Aos poucos, a câmera passeia pelo cotidiano do casal, nos obrigando a entrar em sua intimidade sem nenhum pudor, sem nem mesmo o acalanto de uma bela trilha sonora para reforçar ou amenizar o impacto das cenas.  Os diálogos também são escassos. Não é preciso dizer muito diante do realismo das cenas.  Entramos diretamente no horror do confronto de nossos protocolos de vida com a crueza do ato criativo diante da morte.

Na conferência “Velhice, para que te quero?”, Jorge Forbes  debateu justamente  a atual impossibilidade de seguirmos o protocolo de como ser velho hoje em dia. Nesse protocolo, a velhice é decadência e a idade avançada é o nome da morte. Esquecemo-nos de que a morte, independentemente do número de anos vividos, pode nos surpreender a qualquer momento. A velhice, que cada vez se torna mais longa, nos desafia a lidar com os estranhamentos que o corpo nos oferece. Forbes alerta para o fato de que o corpo sempre foi questão de estranhamento, porque não existe harmonia entre nós e nosso corpo já desde o nascimento. O confronto para todos, afinal, é com o amor. Como suportar o amor pelas pessoas que amamos pensando que podemos perdê-las a qualquer momento? Vivendo um novo amor, responde Forbes. Nesse filme, o casal, liberto do vírus RC – resignação e compaixão, encontrou a sua própria resposta. Eles não deixaram que a compaixão dos outros interferisse no seu amor, na sua vida e na sua morte. Não se resignaram à decisão dos outros. Encontraram sua saída singular de amar. Esta é uma saída que, para quem não quer saber de nada disso e prefere tocar a vida do jeito que todo mundo faz, causa tanta estranheza que chego a ouvir na saída do cinema: “Não indico esse filme para ninguém! Que horror!” Olho para a minha mãe e, em resposta, ouço o seu comentário: “Esse filme é uma lição para os homens aprenderem a cuidar de suas mulheres”, afirma ela. Em lugar de se identificar com o horror da decrepitude do corpo, ela alerta para o tema do filme. Se há nessa fala um tom de reclamação contra o estereótipo latino das mulheres que cuidam de seus homens, o importante, no fundo, é atentar para o fato de que o que conta mesmo é o amor sem obrigações.

Data de publicação: 17/01/2013