Quanto custa a experiência de uma caminhada?

Maralice de Souza Neves

Se para muitos o ato de caminhar é um exercício rotineiro, Hamish Fulton surpreende e transforma-o em experiência artística, de modo a alterar a relação que as pessoas têm com o tempo e com o próprio corpo

 

Em recente passagem por São Paulo, o inglês Hamish Fulton mostrou uma arte singular. Ele faz do ato de andar a sua arte. Conhecido como o primeiro walking artist de que se tem notícia, o artista de 66 anos pertence a uma geração contestadora das formas tradicionais de relação com o mundo. Em uma reportagem para a imprensa, diz ter entendido que deveria inventar um novo modo de mostrar suas impressões acerca do mundo. Para ele, o comportamento e os pensamentos são mais importantes do que uma escultura, por exemplo.

Como funciona essa arte? Fulton imagina uma rota e a segue fazendo dela uma caminhada que brinca com os pontos de vista subjetivos e com o pulsar do corpo biológico. Não se trata de um caminhar exclusivamente solitário. Em vários de seus projetos, o britânico convida pessoas a compartilharem a experiência, como fez em São Paulo no último mês. Ele demarcou trajetos no rejunte do piso da marquise do parque do Ibirapuera e os participantes que apareceram foram convidados a percorrer esse trajeto no tempo de uma hora, nem mais, nem menos. Na ocasião, alguns tiveram de andar muito devagar, outros menos, – isso porque as distâncias percorridas eram diferentes. “Assim, cada pessoa vive a experiência única de lidar com uma determinada alteração da noção do tempo”, explica o artista.

Porém, é sozinho que Fulton realiza grande parte de suas criações. Ele passa ao mundo sua obra ao colocar em relevo algo do seu prazer e da sua satisfação na construção de cada novo projeto. As obras de arte ganham preço por meio do efeito que causam no artista, efeito esse que é transmitido àqueles que apreciam seu trabalho.

Assim, Fulton faz da sua arte algo vendável ao criar cartazes com fotos dos lugares por onde passa e ao escrever textos detalhando os trajetos. O artista entende que o sentido inventado nas suas criações só é válido quando compartilhado com outra pessoa. E ele consegue essa proeza. Faz exibições nos melhores museus do mundo e milhares de pessoas acompanham seu trabalho pela internet.

No design de seu website, utiliza vários recursos que buscam exibir um pouco do intangível de sua experiência. Na abertura, mostra imagens fugidias, sons diversos, que levam o expectador a ficar horas experimentando as sensações que apresentam cada clique sobre enigmáticos números. Ao clicar nas informações, pululam os seguintes dizeres em inglês: “Somente arte resultante da experiência de caminhadas individuais. Uma caminhada tem vida própria e não precisa ser materializada em trabalho de arte. Um trabalho de arte pode ser comprado, mas uma caminhada não pode ser vendida.”

Qual a maestria de Hamish Fulton? Usa o recurso da experiência sensível e inventa um jeito de transformar o caminhar em algo que transcende a compreensão. Belo exercício.

 

Maralice de Souza Neves é professora na Faculdade de Letras da UFMG e membro do corpo de formação do IPLA

Data de publicação: 29/05/2013