Da perda se fez Petra

Elzira Uyeno

perda petraNo premiado filme Elena, diretora Petra da Costa retoma a trajetória da irmã que se suicidou nos anos 1980, e transforma a dor em obra de arte

 “Nova York é a única cidade na qual você não pode morar; atriz é a única profissão que você não pode seguir”. Essas foram as ordens da mãe, para que a jovem não terminasse como a irmã Elena. Porém, para continuar a viver, foi para Nova York que ela viajou, e foi em atriz – e agora cineasta – que Petra da Costa se transformou.
 Elena, o primeiro e premiado longa metragem da diretora, em que documentário biográfico, autobiográfico e ficção não conseguem ser territorializados, relata a história da Elena que viajara para Nova York para realizar o sonho de sua mãe: ser atriz de cinema. Ela saiu do Brasil nos fins dos anos 1980 e deixou Petra, a irmã de sete anos para quem transferira o encantamento pelo cinema. Tendo se submetido a vários testes entre os bicos que fizera na cidade, ingressara na New School for Social Research. Elena tinha 20 anos, quando, vencida pela solidão e gravemente deprimida, cometeu suicídio. Hoje, aos 29 anos, Petra temia percorrer, em nome do amor do Outro, o mesmo caminho trágico da irmã, a ponto de, como relata, ter sonhado com ela, quando escrevia uma ficção.  Mas, no fim quem morria era ela, Petra.
 Encontrando um diário escrito por Elena, Petra se estarrece com as semelhanças que descobre ter com a irmã 13 anos mais velha. Seu filme se constrói de fragmentos da vida de Elena, de trajetos refeitos, de amigos visitados. As duas irmãs se confundem, e o telespectador não consegue distinguir quem é uma e quem é a outra.
 A diretora não buscou transformar o filme em luto, consumando pela segunda vez a perda do objeto amado, pela rememoração minuciosa do vínculo. Fez o luto pelo trabalho “para manter e sustentar todos esses vínculos de detalhes, a fim de restabelecer a ligação com o objeto da relação, o objeto mascarado, o objeto a, para o qual, posteriormente, será possível dar um substituto” (LACAN, 2005, p.363).  Como James Joyce, Petra fez de seu traumatismo, de seu sintoma, uma obra de arte. Utilizou o seu sintoma de forma a lhe permitir viver: se o sintoma desordenava e a levaria a repetir o que a fazia sofrer, Petra transformou-o em sinthoma (com "th", na grafia específica lacaniana), um saber fazer com a angústia (FORBES).

 

 

Data de publicação: 06/12/2012