O suicídio como escolha ética?

Sílvia Marques

Coragem diante de uma vida insuportável? Covardia e egoísmo que ferem os entes queridos? Pecado mortal? Muitos mitos rondam o tema do suicídio, motivador de grandes reflexões desde a Antiguidade. Criticado por Platão e Aristóteles, defendido pelos estoicos em situações específicas, promovido à condição de homicídio e pecado mortal pela Igreja Católica, por meio de Santo Agostinho.

Os argumentos para criticá-lo ou defendê-lo foram muitos. Nietzsche o respeitava se fosse praticado num bom momento, em que ainda vale a pena viver, como foi mostrado nos filmes Ensina-me a viver e Matador, em que os protagonistas se suicidam no ápice do prazer e da felicidade.

Para Freud e Lacan, uma forma de sublimar o desejo de matar o outro. Quantos amantes não cogitam a ideia de morrer quando o fim do relacionamento amoroso esvazia o mundo ao redor? Na realidade é quem os deixa num “deserto” que os amantes em luto desejam matar.

Mas o objeto do desejo pode ser um ideal.  O sentimento de não ter um lugar no mundo, a incapacidade de lutar contra uma realidade inaceitável. Em Foi apenas um sonho, ao perceber que não teria forças para viver a vida que julgava ideal, a protagonista se suicida, pois já se sentia morta, ou como se diz em Psicanálise, deslibidinizada. O suicídio pode ocorrer também por conta de um estado de demência, como a bailarina Nina de Cisne negro, por uma melancolia profunda ou para escapar de uma vida socialmente inviável, como no cult Thelma e Louise.

Podemos pensar o suicídio de Thelma e Louise, jogando o carro do Grand Canyon, como um gozo. Elas conferem um toque de “heroísmo” a vidas marcadas pela injustiça e pela incapacidade de ressignificá-las.

Lacan via o suicídio fora da esfera moral e sim como um ato humano. Para a Psicanálise, o suicídio não é homicídio nem coragem. Jorge Forbes afirma que sob o viés psicanalítico, o grande desafio está em sustentar a vida e não a morte, pois é a vida que exige muitas escolhas e grandes responsabilidades. Christian Dunker defende a importância da passagem pela palavra para impedir o suicídio ou ao menos lhe conferir dignidade. Mas como tabu, muitas vezes, esta passagem é inviável.

A série do Netflix 13 reasons why trouxe à tona a importância de debater o tema entre os adolescentes, o que é muito positivo. Por outro lado, a produção pode tocar a subjetividade de alguns jovens, colocando o suicídio como uma saída sedutora.

Talvez, não seja coincidência, o suicídio ter se difundido em nossa sociedade com valores cada vez mais individualizados. O que impede de transformar a própria morte em espetáculo como Thelma e Louise ou em um “Não sou obrigado a aguentar” como em 13 reasons why? Pensar o suicídio atualmente é pensar na própria supremacia do desejo. Para o senso comum, trata-se de algo imoral ou admirável. Para a Psicanálise talvez seja uma questão ética. Altamente indesejável, mas, ainda assim, ética.

Sílvia Marques é Profa. Dra. em Comunicação e Semiótica, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU, escritora e estudante de Psicanálise do IPLA. 

Data de publicação: 20/09/2017