O Nobel de física e o psicanalista lacaniano

Griseldis Achoa e Maralice Neves

Nobel de Fisica

Podemos fazer um paralelo entre o experimento que possibilitou aos cientistas “enxergarem” o impossível e a “escuta” atenta e ao mesmo tempo flutuante do psicanalista

 

Os ganhadores do prêmio Nobel de física deste ano, David Wineland, do Instituto Nacional de Tecnologia do Colorado, e Serge Haroche, da Escola Superior de Paris,  provaram o paradoxo da física quântica de que comportamentos opostos se apresentam ao mesmo tempo. Os cientistas conseguiram registrar o princípio quântico de que se pode imobilizar um átomo  no meio de um campo eletromagnético e fazê-lo aparecer em dois lugares simultaneamente. Simplificando, provaram que o impossível é possível.

Trata-se da comprovação do efeito do "gato de Schrödinger", tido como morto e vivo ao mesmo tempo. O nome faz menção a Erwin Schrödinger, físico austríaco que, em 1935, ilustrou o conceito da superposição quântica através de um experimento imaginário em que, durante uma hora, um gato é preso em uma caixa onde estão um pouco de material radioativo (urânio) em um frasco com gás letal (acido cianídrico). Nesse período, o urânio pode ou não emitir uma partícula. Temos então 50% de chance. Se o urânio emitir a partícula, quebra o frasco com o gás mortífero e o gato morrerá. Mas, como saber se o gato está vivo ou morto sem abrir a caixa? Assim, estatisticamente, o gato está morto e vivo, ficando desse modo demonstrado o princípio quântico.

E a psicanálise, onde entra nisso? A leitura da notícia sobre o prêmio Nobel de Física, publicada na revista Veja da semana de 17 de outubro, nos remete a uma frase de Jacques Lacan em seu texto Televisão: “Sempre digo a verdade; não toda, porque dizê-la toda é impossível; materialmente faltam palavras. E é por esse impossível, inclusive, que a verdade tem a ver com o Real”.

Podemos fazer um paralelo entre o experimento que possibilitou os cientistas “enxergarem” o impossível e a “escuta” atenta e ao mesmo tempo flutuante do psicanalista. Este, ao ocupar dois lugares diferentes ao mesmo tempo, consegue perceber algo do imponderável do inconsciente. Neste momento podemos dizer, juntamente com a ciência, que o fenômeno é criado por quem o observa.

Na falta da palavra e na repetição desta falta, o analista entra na “outra cena”, a cena aonde habita o sintoma, este conhecido-desconhecido do sujeito, sem sentido e sem lugar, e convida o analisando a ocupar uma nova posição, da mesma forma como os cientistas fizeram com o átomo, que, encurralado entre dois raios de laser, é empurrado por um terceiro, que o desloca. 

A função do terceiro laser é “exercida” pelo psicanalista que, ao provocar no sujeito o deslocamento de uma posição antiga e cristalizada, faz surgir toda a beleza de poder se colocar no mundo em um lugar especial, singular e por que não dizer, impossível.

Data de publicação: 31/10/2012