O canto da cidade

Carla Almeida

Tem gente confundindo paixão com exibição de gozo excessivo. Exibir-se é diferente de declarar seu amor

"A cor dessa cidade sou eu/ O canto dessa cidade é meu." A primeira música famosa da cantora Daniela Mercury abre este texto. Do jeito com que a moça anda levantando a bandeira da causa gay (se é que isso é uma causa) parece levar a crer que ela pensa ser a representação da cor homossexual do momento. Em abril, a cantora postou no Instagram uma sequência de quatro fotografias retratando cenas românticas com a jornalista brasileira Malu Verçosa. Nela, se lê, inclusive, a legenda "Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar".

Daniela, que andava meio sumida, virou assunto do momento. Tornou-se capa da revista Veja e da revista Época, deu uma série de entrevistas, apareceu falando mais sobre seu relacionamento com a jornalista no Fantástico e no Jornal Nacional, da Globo, na TV Record e em vários outros canais, além de ser o assunto do momento em todas as redes sociais. A Época diz que a cantora e sua declaração bombástica se tornaram um "manifesto poderoso" sobre o direito às diferenças.

Em sua entrevista à Veja a cantora diz ter escrito uma nota e citado o deputado Marco Feliciano; e a própria revista pontua que ao misturar seu relacionamento com política, a baiana prestou um desserviço ao romantismo e ao mesmo tempo à sua seriedade de propósitos. Ela sabia que ia causar estardalhaço, e conseguiu isso de maneira brilhante; agora está com sua agenda mais lotada e está na boca do povo. Ora, uma cantora precisa mesmo é ser falada, "cantada". Mas isso é amor? Vem junto a esse amor de dois meses uma forma de aumentar sua imagem na mídia, já que a compositora não andava mais a pleno vapor. Se como afirma a cantora na entrevista "Estou feliz, estou amando e não abro mão dessa condição. Minha mensagem é de amor", será que era mesmo necessário sair do armário com tamanho fervor publicitário e com um ataque político junto?

Quantas Danielas estão por aí, escondidas, sofrendo e querendo mostrar a todos que são "livres" para dizer que amam ou, até mesmo, buscando um pouquinho de publicidade? O que um analista faria se um "gay" entrasse em seu consultório? O encorajaria a exibir publicamente sua orientação sexual?

Antes de responder, compartilho uma "pérola" que escutei de um psicanalista freudiano em um grupo de estudos. Ele disse: "o homossexualismo foi retirado do DSM (Diagnostic and Statistic Manual for Mental Disorders) por lobby de médicos gays, mas isso nunca deveria ter acontecido, pois é claro que é uma doença". E completou: "Caso um gay se tornasse analista, só poderia atender homossexuais. Afinal, como um analista gay poderia analisar um heterossexual?"

Meu Deus, socorro, quero descer! O analista, indiferente de sua orientação sexual, quer ele seja azul, amarelo, cor de abóbora, ET, lacaniano, é humano. E, sendo assim, pode e deve escolher o que fazer de sua vida sem que isto interfira em sua atividade profissional. O analista dirige o tratamento, não o analisando. Não coloca nenhuma bandeira, seja gay ou política no setting analítico. Não atende com plumas no pescoço.

O novo amor não tem modelos. No século 21, a psicanálise deve lidar com as mudanças, deve saber o que fazer com a angústia e os sintomas do homem novo. Será que um psicanalista deveria encorajar seu analisando a assumir publicamente sua sexualidade? A resposta é não, pouco importando sua modulação.

Declarações de amor podem até ser públicas, mas nessa condição, são equívocas.

Carla Almeida é Bacharel em Direito, Especialista em Educação e Religião, Mestranda na Linha de Pesquisa Humanidades e Saúde EPM-UNIFESP e Membro do Corpo de Formação do IPLA

Data de publicação: 08/05/2013