Generation Gap

Letícia Genesini

Estamos em um tempo de conexões e não de sucessões, de links e não de linearidades

Há um certo tempo ouvi um comentário de que hoje não existe mais, como houve na segunda metade do século XX, um marcado conflito de gerações. De fato, há marcos de época, modas, gírias, modos de agir, que distinguem grupos e diferencia o velho do novo, porém, por mais que parte da nova geração ainda busque construir a identidade nesta diferença — eu fiz FFLCH, eu sei bem — não há hoje um sismo explícito, em que um lado vê o mundo rock ’n roll em Technicolor, enquanto o outro vive em preto em branco no samba canção. 

Há ainda aqueles que cismam em categorizar as novas gerações X, Y, Z… mas eu ainda estou para ver um membro dessas classes fora de gráficos e artigos. É difícil acreditar nessa especialização de tempos, principalmente quando eu, tendo um pai que esteve à frente de um dos maiores jornais do país, o surpreendia com notícias que descobria na internet, ao mesmo tempo que recebo dele novidades frescas de tecnologia. Que comportamento define qual geração? 

Mas, e os novos laços sociais, as relações horizontais, a capacidade de viver na incerteza tão característicos de hoje? Eles definitivamente marcam nosso tempo, mas minha geração (seja lá o que isso for)? Tenho minhas dúvidas. Muitas das pessoas mais vivas e, por falta de melhor termo, atuais com quem já cruzei não eram da minha geração. Muitíssimas outras eram. Muitas são mais jovens que eu ainda (o que é meio aflitivo), e outras ainda estão em um entre décadas que nem sei de que lado colocá-los. E ao mesmo tempo que inteligência não se limita à data de nascimento ou necessariamente expira ao passar dos anos, a necessidade por um conservadorismo amedrontado é uma estupidez que também não tem idade. 

É nesse ponto em que se encontra o ruído do hoje. Não na diferença de anos de vida, mas da leitura do presente. Há sim uma constante sensação que há mais de um mundo coexistindo. Para quem quer sentir isso explicitamente passe o dia assentindo Ted Talks sobre liderança e depois vá ver um debate político (e não precisa ser brasileiro), é de uma agonia esquizofrênica pensar que a mesma época produziu esses dois discursos (tente explicar isso para críticos literários). Os mesmos símbolos são vistos e interpretados por óticas tão distintas que o exercício de fazer a ponte parece um trabalho de Sísifo, ou simplesmente uma conversa de loucos. 

Poderia-se dizer que é assim sempre em épocas de transição. É assim que evoluiu a arte por todo século XX: uma vanguarda que trazia uma leitura completamente nova dos símbolos, tal que era incompreendida pelos seus contemporâneos, apenas para acabar virando o signo daquela própria época. A diferença é que vanguardas, assim como todo o século XX, traziam projetos estéticos que propunham rupturas nas estruturas da cultura da época para construir uma verdade maior e definitiva  (que no fim não estava lá). Mondrian rompeu com o figurativismo, para se definir na estrutura até chegar nos elementos mais básicos da pintura — polígonos simples e cores primárias —, que o levou à simplificação máxima da tela em branco. Uma vez lá, encontrou ele a resposta, largou os pincéis e vislumbrou a máquina do mundo? Não, continuou a pintar. 

Não, não acho que estamos em uma transição que antecede uma resolução. A atualidade não traz mais — embora alguns ainda tentem — projetos finais. Estamos muito mais para um Picasso que relê de diversas formas a tela, do que para um Mondrian — ainda bem! Estamos em um tempo de conexões e não de sucessões, de links e não de linearidades — exatamente o que me permite mostrar como Picasso, que em seu tempo já era atual, representa o hoje ao lado de outros atuais (como Olafur Eliasson, se devo citar nomes); enquanto Mondrian, que foi um gênio do século XX, ficou em sua temporalidade, tocando profundamente (e merecidamente) quem conhece a história da filosofia estética, mas sem criar um futuro sobre ela. 

É um jogo de equilíbrios e desequilíbrios que não busca uma superação de um sistema cultural pelo outro, mas uma transformação que pede novos sentidos. A dissonância não é entre o jovem e o velho, mas entre a capacidade de olhar o hoje e saber (ou ao menos aprender) a navegar neste mundo líquido. Sustentar incertezas, e agir sobre elas é uma habilidade que não se ganha com inocência nem com experiência — embora um pouco de ambos ajudem — mas com própria tautologia do improviso de saber fazê-lo. 

Letícia Genesini é escritora, estrategista e uma das fundadoras do portal São Paulo Saudável.

Data de publicação: 19/05/2016