Os filhos do carnaval

Maria da Glória Vianna

“Gravidez inesperada” não precisa ser sinônimo de “filho indesejado”. Toda gravidez é uma surpresa, mesmo dentro do mais detalhado planejamento

“... São três dias de folia e brincadeira. Você pra lá e eu pra cá. Até quarta feira... lá, lá lá...”. Como na letra da marchinha, nesses dias de regime de exceção, as regras que formam um casal podem passar a não valer. Formam-se pares de ocasião e, às vezes, não se medem as consequências. Todos os anos se repete a mesma história, podia até ser enredo de escola de samba!

Minha prática em hospital permite acompanhar a novela. Passados alguns meses, eles começam a receber moças que se queixam de muito enjoo, tonturas e sono: “Dra, sinto muito sono, parece que preciso dormir um ano...”. São pedidos os exames. Muitas vezes, o médico até já sabe o que vai dar, mas não se pode comunicar nada sem provas objetivas. Após 10 dias, a mãe, digo, a moça, volta com cara de espanto e, mal ouve o resultado do exame, já tem que marcar um pré-natal!

Desconcertada, ela comenta aos amigos: “Já que eu não estava tomando remédio, peguei barriga no Carnaval!”. “Se pega” uma gravidez, como se pega uma gripe, um ônibus... Simples assim. Depois de quarenta semanas, recolhem os frutos dos encontros desencontrados como crianças marcadas pelo anonimato, pelo desconhecimento.

Crianças de novembro, alguns filhos do Carnaval, podem ser considerados “filhos de ninguém”. Sentem-se excluídos, colocados à margem do comercial de margarina. Reclamam por serem estigmatizados: filhos de “pai desconhecido” e de mãe avoada, cabeça de vento. Precisa ser assim? Será que toda criança que é fruto de um “acidente” é, de fato, indesejada? Como a psicanálise poderia agir nesses casos?

Na Clínica do Real, poderíamos, por exemplo, mostrar que toda mulher pode adotar simbolicamente o filho que gerou, tenha sido a gestação planejada ou não. Poderíamos levá-la a ver que, mesmo dentro do planejamento mais detalhado, uma gravidez é sempre uma surpresa.

Para os filhos do carnaval, a ajuda seria ainda mais simples: uma pergunta. Se é mesmo verdade que sua mãe nunca lhe desejou e que você não passou de um acidente em sua vida, por que você não foi abortado? Que caia a fantasia: quando se trata dos humanos, ou nos damos conta que somos todos adotados ou nos condenamos a uma maldita bastardia.

Data de publicação: 21/03/2013