Entrevista de Jorge Forbes para O Popular: “Para Tiago, ser preso foi um benefício”

Marco Aurélio Vigário

Se nos fascinamos pelos serial killers é justamente porque sabemos que a nossa diferença (em relação a eles) é muito pequena

 

 

 

Médico psiquiatra por formação, Jorge Forbes é atualmente um dos principais nomes da psicanálise no País. Na entrevista abaixo, ele comenta o caso do vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 27 anos. Tiago se denominou de assassino em série - ou serial killer - e chegou a confessar 39 mortes à polícia. Depois negou. Na Justiça, já foi condenado por assaltos e responde a dezenas de processos por homicídios. Jorge Forbes acaba de lançar a segunda edição do livro Da Palavra ao Gesto do Analista. De 4 a 6 de setembro, ele participa do 7º Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (ENAPOL), em São Paulo. 

 

 

Tiago Henrique Gomes das Rocha pode ser considerado serial killer?

Dentro da classificação dos assassinos, ele preenche vários aspectos de um serial killer. O primeiro aspecto é não ter relação nenhuma com as vítimas. Não existe uma causalidade explícita (para os assassinatos), seja sexual, seja vingança, seja dinheiro... De repente, sem nenhum comportamento prévio que indique o que vai fazer, ele mata uma pessoa. É importante ter essa noção a respeito do serial killer porque não se busca esse criminoso pela causalidade, mas pelo padrão de comportamento. Ele mata de uma determinada maneira, apresenta um padrão de local, de tipo de assassinato, de tipo de vítima... O serial killer é alguém que mata ao menos três pessoas em locais diferentes e tempo superior a um mês; se o intervalo de tempo for menor, não se caracteriza um serial killer; e acho que, sim, ele (Tiago) corresponde a isso. Um serial killer pode ser tanto um psicótico quanto um psicopata. O psicótico normalmente é considerado inimputável (isento de pena porque é incapaz de entender a ilegalidade do que fez e responder por isso). O psicopata é imputável. 

Se for solto, ele vai voltar a matar?

Temos indícios de que um serial killer sempre poderá voltar a matar. Por outro lado, quantas pessoas estão nas prisões e voltam ao crime após sair? O índice de reincidência é altíssimo. Posso garantir, como psicanalista e psiquiatra, que ele não vai voltar a cometer crimes? Não, não posso. Então vamos dar prisão perpétua às pessoas para nos proteger da maldade humana? Também não. Não existe uma resposta padrão. São vários fatores em jogo: comportamento, relação com as pessoas e consigo mesmo, argumentação, conhecimento do passado, afetividade, criação de vínculos de amizade e amor... Quando juntamos esses e outros índices, podemos ver como uma pessoa se dá com seus desejos e afetos e responder que tem pouca chance ou grande chance de voltar a cometer crimes. Mas não é possível responder que não há nenhuma chance. 

Tiago Henrique escreveu ao menos uma carta desafiando a polícia. Ao ser preso, confessou mais mortes do que assume hoje. Ele fez isso por vaidade?

A coisa que mais preocupa qualquer ser humano é a morte. A própria morte e a morte dos entes queridos. Essas pessoas, os psicopatas, elas se assenhoram do poder da vida e da morte. E ao invés de fazerem como a maioria das pessoas, que se angustia e negocia alguma maneira de viver apesar da morte, elas afrontam, se põem acima do sentimento da angústia mortal e se fazem de senhores e mestres dos destinos de si mesmos e dos outros. Ora, quem é que representa o limite do que se pode fazer? Na sociedade civil, é a polícia. Não é incomum, portanto, que essas pessoas desafiem os representantes legais. Elas têm um prazer especial nesse desafio para mostrar que estão acima da angústia mortal. Para Tiago Henrique, o benefício foi ser preso: a polícia atestou que ele era o senhor do destino de muita gente. 

Filmes e reportagens sobre serial killers chamam atenção. Por quê?

Se nos fascinamos pelos serial killers é justamente porque sabemos que a nossa diferença é muito pequena. Todos nós já quisemos matar o cara que nos fechou no trânsito. Não há uma criança que nunca quis matar o pai ou a mãe. Vemos o quanto somos parecidos com o Tiago e, ao mesmo tempo, podemos dizer que foi ele e não nós. Conseguimos recalcar, reprimir em nós, a tendência assassina que temos. 

Não é incomum que assassinos famosos sejam “tietados”. Essas fãs estão encantadas pelo homem, pelo assassino ou pela figura midiática?

Na histeria feminina, um quadro psicopatológico, a histérica sabe como o homem deveria ser. De repente, ela vê um rapaz bonito e acha que ele está perdido na vida, que sabe curar o coração do criminoso e que ele só é criminoso porque não foi compreendido. É muito arriscado isso, porque ela pode se transformar na próxima vítima. 

A imagem de Tiago Henrique é mais uma num mundo já repleto de imagens - tema do ENAPOL que será realizado este ano. Como lidar com o chamado “imperio das imagens”?

O ENAPOL é uma reunião das instituições ligadas ao campo freudiano das três Américas. Elas vão discutir a mudança no laço social - a maneira como nós nos agregamos. Até recentemente, vivíamos no império do simbólico, uma época iluminista, em que nos agregávamos a partir do saber. Fomos ultrapassados pelas imagens. As imagens geram um sentido no curto-circuito da compreensão. O mundo hoje é uma tela. Tela do telefone, do computador, da TV, do cinema... Saímos do império do simbólico e entramos no império das imagens. E o império das imagens não tem a coesão que tinha antes. Não tendo coesão, ficamos aflitos com o desbussolamento. O simbólico não amarra mais as pessoas. E o que amarra? Existe uma nova transcendência? A minha resposta é que, sim, existe. Não vamos caminhar para uma balbúrdia total. Se eu não tenho mais um grande organizador simbólico, eu tenho um outro organizador, que é uma sensação que as pessoas demonstram de que não podem fazer tudo. As pessoas não suportam ver agressões a pessoas que lhes são próximas e queridas. Não morrem mais por grandes causas, mas morrem por amores mais próximos. Existe um novo amor, que aparece como novo organizador da sociedade das imagens. 

Por Marco Aurélio Vigário, para o portal O Popular, 11/5/2015
Link da entrevista:

http://www.opopular.com.br/editorias/cidades/para-tiago-ser-preso-foi-um-beneficio-1.848139

Data de publicação: 28/05/2015