Delírios Narcísicos da Psicologia Positiva

Luc Ferry

Outro dia, comprei uma revista de « psicologia positiva » daquelas que hoje se encontram aos montes. Entre acesso de riso e consternação, li as recomendações que ela nos convida a seguir para chegar à felicidade. No meio do amontoado dos lugares comuns costumeiros do tipo “ancorar-se no presente”, “ficar maravilhado pela vida com as crianças”, “despertar a consciência de si”, “se conceder tempo livre” e outras pieguices em moda, deparei com este conselho brilhante, destinado, segundo um dos gurus dessa improvável disciplina, a fazer do nosso “querido eu” um “violino de que se deve aprender a tocar tranquilamente para se descobrir, se apreciar, se construir” (que estilo!): “Visem mais o prazer do que a perfeição”! Que excelente sugestão para nossos filhos. Só há um porém: temo que, nos tempos em que vivemos, ela seja um tanto supérflua. Para dizer tudo, duvido que seja urgente aconselhá-los a não exagerar no empenho, a “curtir” em vez de trabalhar visando a excelência! Quanto a “ancorar-se no presente”, não é por certo sua erudição de historiadores que vai bloqueá-los, muito menos sua propensão natural a fazer esforços sobre-humanos para construir grandes projetos de futuro. Algumas páginas adiante, descubro que é preciso “habitar seu corpo” (Ah é? Acaso poder-se-ia “habitar” em outro lugar?), “permanecer conectado a si-mesmo” (É, de fato, o melhor a ser feito, mas será o egocentrismo coisa tão rara que precise ser transformado em um imperativo categórico?). A linda moça que adorna a capa é fresca como uma rosa na primavera, mas seu sorriso, de uma insondável platitude, deveria ter me colocado uma pulga atrás da orelha. Ousarei confessar-lhes que esses lugares-comuns do narcisismo contemporâneo me fazem literalmente vomitar?

Segundo essa ideologia que nos assola ad nauseam nos best-sellers, a felicidade seria não apenas o único e exclusivo objetivo da existência humana, como só dependeria de nosso pequeno ego, contanto que ele seja dopado com exercícios quotidianos que bons mestres nos trariam já prontos, vindos diretamente das sabedorias do Oriente, enriquecidas, para a ocasião, com alguns clichês emprestados das teorias de desenvolvimento pessoal. Por que isso é um nonsense, ou mesmo um embuste?

Em primeiro lugar, porque a felicidade é positivamente indefinível, já que tudo o que nos faz feliz pode imediatamente se transformar no seu contrário: estou apaixonado, estou nas nuvens, mas eis que uma ruptura ou algum outro acidente da vida me tira o objeto de minha felicidade. Mergulho, então, nos mais atrozes sofrimentos, que nascem do luto do ser amado. O mesmo acontece com o dinheiro, sobre o qual não é em vão que se afirma que ele não traz felicidade, apesar de “ajudar a suportar a pobreza”, como dizia o excelente Alphonse Allais. Quanto à inteligência, que nos torna mais lúcidos, Kant já sublinhava que se a providência quisesse que fôssemos felizes, ela jamais nos teria dotado de tal faculdade.

Impostura Intelectual

Mas isso não é tudo: basta refletir três segundos para se convencer que nossas ilhas de felicidade, se ainda quisermos conservar essa palavra enganadora, são tudo, menos duráveis. Manifestamente, pelo menos para quem não sofre de um narcisismo patológico, nossas alegrias, vocábulo melhor adaptado à realidade humana, dependem antes de tudo do estado do mundo exterior e dos outros, a começar daqueles que amamos, com os quais nunca deixamos de nos preocupar. Acrescento que é também preciso uma alta dose de sorte – essa sorte que faz que o seu filho não estivesse no terraço de um café quando uns safados tiraram simultaneamente toda a alegria de viver daqueles que lá se encontravam e de todos que lhes eram próximos. Pretender que a felicidade pode ser obtida por si só, que ela é duravelmente acessível contanto que se adotem alguns princípios dessa psicologia positiva em que o umbiguismo parece fazer às vezes de viático, isso se chama impostura intelectual.

A verdade é que só uma ínfima parte da felicidade depende de nós, que ela é, sob todas as hipóteses, infinitamente frágil e sempre votada ao efêmero. Tenhamos consciência disso, contentemo-nos com um pouco de serenidade, com alegrias passageiras, tentemos aproveitar enquanto elas estão presentes, mas vamos parar de deixar que nos falem abobrinhas sobre a sabedoria e a arte da felicidade em quinze lições! Se deixar iludir por esse engodo é o caminho mais curto para a infelicidade e a desilusão.

 

Tradução: Alain Mouzat
Publicado originalmente no Jornal Le Figaro em 24/12/2015.

Data de publicação: 18/02/2016