De quem é o gozo?

Carla Almeida e Maralice Neves

Próxima capa da Playboy, Catarina Migliorini leiloou sua virgindade na internet, aos moldes do que ocorria no Bataclã, o cabaré dos anos 1920 imortalizado por Jorge Amado. Em pleno século XXI, fora do universo da prostituição (será?), a jovem oferece seu gozo sem angústias, sem culpas e sem defesas

Machões, tremei. No dia 10 de janeiro, a Playboy brasileira mostrará, pela primeira vez, uma virgem na capa. Mas que ninguém se espante; a virgem em questão é Catarina Migliorini, que passa longe dos estereótipos de Maria Imaculada.  Aos 20 anos, a jovem teve seus 15 minutos de fama ao leiloar, pela internet, sua virgindade, arrematada em outubro por US$ 780 mil (ou R$ 1, 5 milhão), por Natsu, um japonês de 49 anos. Catarina (cujo verdadeiro nome é Ingrid Nascimento) ainda não consumou a relação com o vencedor, e providenciou até laudo médico para provar que era virgem ao fazer as fotos para a revista.
Voltando algumas décadas no tempo, nos lembramos que a iniciativa da jovem não chega a ser de todo inédita.  Nas primeiras décadas do século XX era comum “leiloar” meninas virgens em prostíbulos, como bem retratou Jorge Amado em Gabriela – Cravo e Canela e outras obras. O vencedor ganhava o cobiçado troféu da jovem “donzela” e o gozo era todo dos compradores.  Agora, Natsu – de quem pouco se sabe além do nome e idade – encarnou o coronel baiano e arrematou a virgindade da jovem brasileira. 
 Se analisarmos essa situação com a lente da psicanálise, qual o sentido disso tudo? Já não estamos no Bataclã, o cabaré que animava a Ilhéus de 1920 retratada por Jorge Amado em Gabriela.   Naquela época, todos sabiam quem era o “comprador”, o quanto de dinheiro tinha podido investir e quem restava derrotado. A virgindade da prostituta era um mero detalhe, a ser exibido como um troféu para o gozo fálico dos poderosos endinheirados, que tinham o seu desejo firmado na segurança de mandarem nas mulheres e de comprá-las a seu bel prazer.  
Hoje, em pleno século XXI, é a mulher que oferece seu gozo. Sem angústia, sem culpa e sem defesas. Assegura o seu negócio sem a tutela dos pais e choca os apologistas do recato feminino que querem conter os excessos de prazer que ela poderá ter com o corpo. É uma questão de excesso, típica do desbussolamento dos dias atuais.
 Quem nos dá a dica sobre o que está sendo – ou não - comprado é Nelson Rodrigues, nosso fabuloso dramaturgo: “Não damos importância ao beijo na boca. E, no entanto, o verdadeiro defloramento é o primeiro beijo na boca. A verdadeira posse é o beijo na boca, e repito: é o beijo na boca que faz do casal o ser único, definitivo. Tudo mais é tão secundário, tão frágil, tão irreal.” O contrato da “compra” da virgindade de Catarina não incluía o beijo na boca. Este, certamente não é vendável. Natsu consumará o ato sexual sem tocar os lábios da jovem donzela, que poderá guardar o beijo para um verdadeiro encontro amoroso. Não custa imaginar.

Data de publicação: 03/01/2013