“Anti-Nelson Rodrigues” – a peça

Teresa Genesini

“Anti-Nelson Rodrigues” – a peçaA penúltima peça de Nelson Rodrigues não contradiz sua obra

As peças de Nelson Rodrigues tratam da vida comum, da vida como ela é, com seus personagens iguais àqueles que conhecemos, com quem convivemos. A penúltima peça escrita por Nelson, “Anti-Nelson Rodrigues”, de 1973, não foge à regra. O título faz pensar que seja uma negação de sua obra, mas não a contradiz em nada.

Assisti à última apresentação da peça no Teatro de Arena, de São Paulo. Ela foi encenada pelo Grupo Tapa, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo, um grande conhecedor da obra rodrigueana. A história gira em torno de Oswaldinho, um rapaz mimado, que não trabalha e vive às custas do pai, empresário de sucesso. Chega a roubar as joias da mãe para sustentar seus excessos, atitude que é totalmente compreendida e apoiada por ela.

Está armada a teia: um pai que não gosta do filho e é desautorizado pela mãe; a mãe que se afastou do marido e idolatra o filho, aceitando todas as condições para ser amada por ele; um filho que não se responsabiliza por nada, vive para conquistar uma nova mulher a cada dia e espera que o pai morra para se libertar, ter sua própria identidade. Tudo isso envolto na trilha sonora de um tango argentino – “A Media Luz”.

A questão do limite, da demanda de compreensão dos pais pelos filhos, faz parte do dia-a-dia de qualquer família. Esse silêncio entre pai/mãe e filho, tão necessário e difícil de ser suportado pelos pais, como já falou Jorge Forbes em vários textos, é uma falta escancarada na peça. Um pai e uma mãe não compreendem tudo, há sempre um ponto de incompreensão radical e é por esse não-saber que um filho pode inventar uma solução para a falta de garantia. Só por esse silêncio, por essa incompreensão, que ele vai conseguir lidar com a angústia da sua própria invenção. Mas, isso não acontece com o personagem da peça.

Oswaldinho quer ser nomeado diretor de uma das empresas do pai e sua mãe exige que o marido atenda esse pedido do filho. Assim que assume o cargo, engraça-se com uma moça “careta”, convida-a para ser sua secretária e decide que vai possuí-la a qualquer custo.

Os pais não deram limites a Oswaldinho, não deixaram que ele se deparasse com esse ponto de incompreensão radical –  a grande herança que um pai pode deixar ao filho. Porém, Nelson Rodrigues, e talvez por isso o título da peça, oferece-lhe uma saída. A menina finge que aceita uma soma exorbitante para se entregar ao rapaz, mas, na “hora H”, rasga o cheque e diz que se entrega a ele, não por dinheiro, mas por amor.

Essa cena final é surpreendente e traz uma nova trilha sonora: Roberto Carlos cantando Desabafo – “por que me arrasto a seus pés?; por que me dou tanto assim?; e por que não peço em troca nada de volta pra mim?”

É o diretor interpretando o dramaturgo. Bravo!

Teresa Genesini é psicanalista, mestre em estatística pela UNICAMP e pesquisadora do Projeto Análise.

Data de publicação: 06/02/2014